
Acorrentados
Paulo Mendes Campos
           Quem coleciona selos para o filho do amigo; quem acorda de madrugada e estremece no             desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava; quem chora no             cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz             com os dedos uma carícia; quem se detém no caminho para ver melhor a flor silvestre;             quem se ri das próprias rugas; quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta             depois de um fracasso sentimental; quem procura na cidade os traços da cidade que passou;             quem se deixa tocar pelo símbolo da porta fechada; quem costura roupa para os lázaros;             quem envia bonecas às filhas dos lázaros; quem diz a uma visita pouco familiar: Meu pai             só gostava desta cadeira; quem manda livros aos presidiários; quem se comove ao ver             passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a fera do colégio;             quem escolhe na venda verdura fresca para o canário; quem se lembra todos os dias do             amigo morto; quem jamais negligencia os ritos da amizade; quem guarda, se lhe deram de             presente, o isqueiro que não mais funciona; quem, não tendo o hábito de beber, liga o             telefone internacional no segundo uísque a fim de conversar com amigo ou amiga; quem             coleciona pedras, garrafas e galhos ressequidos; quem passa mais de dez minutos a fazer             mágicas para as crianças; quem guarda as cartas do noivado com uma fita; quem sabe             construir uma boa fogueira; quem entra em delicado transe diante dos velhos troncos, dos             musgos e dos liquens; quem procura decifrar no desenho da madeira o hieróglifo da             existência; quem não se acanha de achar o pôr-do-sol uma perfeição; quem se desata em             sorriso à visão de uma cascata ; quem leva a sério os transatlânticos que passam; quem             visita sozinho os lugares onde já foi feliz ou infeliz; quem de repente liberta os             pássaros do viveiro; quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o motivo; quem             julga adivinhar o pensamento do cavalo; todos eles são presidiários da ternura e             andarão por toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da armadilha terrestre.
           Texto extraído do livro "O Anjo Bêbado", Editora Sabiá - Rio de             Janeiro, 1969, pág. 105.

5 comentários:
Oque,´tava vendo o desenho do Papai Noel que fiz para você... dois anos, dois anos!
rs, é engraçado lembrar.
um beijo para você, saudades.
^^
obrigado pela dica, vou dar uma olhada no link que você me passou.
E, oba, seria bem legal ter mais uma poesia ilustrada por mim. Se fizer me avise.
bju thau!
Laura - leve sim o texto. Para mim uma honra.Estou vendo que vc está produzindo,mas...não vejo atualização no bloroll...ué? pq?
Beijokas.
Livia,que texto..vixe,esqueci..rs
me passa por email...
Tenho vários posts pra digitar,estou sem tempo!!
beijos amiga!
Rodrigo,obrigada pela visita!!!
vou postar sim,obrigada por autorizar o uso da imagem. volto em breve!!
e te aviso!
bjs querido.
* quero te ver na mídia hein?
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